O Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), instituição da Secretaria de Estado da Cultura do RS (Sedac), apresenta a exposição “Andréa Brächer —Ficções de um jardim: fotografia e literatura”. Com curadoria de Niura Legramante Ribeiro, a mostra individual tem lugar nas Salas Negras do museu, com abertura no dia 23 de maio de 2019, às 19 horas.
A partir da literatura e da fotografia, Brächer cria com seu trabalho um universo de fabulações. Nas palavras da curadora, “o poema ‘A Criança Roubada’ (1889), de William Butler Yeats (1865 – 1939), e o interesse da artista de longa data, presente em suas pesquisas anteriores sobre as narrativas literárias do século XIX, especialmente do mundo das fadas, compõem o universo temático de suas atuais representações nas obras fotográficas”.
Nas Salas Negras, estarão em exposição cerca de 45 obras, com diferentes técnicas fotográficas, um vídeo em looping de 20s e um poema de William Butler Yeats . A mostra, portanto, contém trabalhos fotográficos históricos e contemporâneos, produzidos a partir das técnicas de photogenic drawing ou desenho fotogênico, marrom van dycke e cianótipos.
“Ficções de um jardim: fotografia e literatura” tem visitação de 24 de maio a 21 de julho (prorrogada para 04.08), de terças a domingos, das 10h às 19h, sempre com entrada franca.
Visitas mediadas podem ser agendadas pelo e-mail educativo@margs.rs.gov.br.
TEXTO CURATORIAL:
Ficções de um jardim: fotografia e literatura
Fotografia e literatura: de um lado, a remissão à realidade; do outro, o cultivo à fantasia. Porém, apesar deste aparente paradoxo, ambas são capazes de produzir linguagens simbólicas e trabalhar com a ficção. Esta é a estrutura a partir da qual a artista Andréa Brächer cria o seu universo de fabulações para esta exposição.
O poema “A Criança Roubada” (1889), de William Butler Yeats (1865 – 1939), e o interesse da artista de longa data, presente em suas pesquisas anteriores sobre as narrativas literárias do século XIX, especialmente do mundo das fadas, compõem o universo temático de suas atuais representações nas obras fotográficas. Uma frase desse poema, “de mãos dadas com uma fada”, reforça a ideia de encantamento pelo universo das fabulações e de sedução por um mundo irreal. Um pensamento baseado apenas na racionalidade, sem a disponibilidade de abrir a mente para o mundo da ficção, de maravilhar-se com a fantasia, pode ser restritivo e estar fadado à ruína. Mas, felizmente, o mundo da criação nas artes visuais e na literatura tem essa possibilidade de trabalhar com sonhos em referência ao mundo da infância. O autor do poema, referenciado pela mitologia irlandesa, conta a história de fadas que arrebatam uma criança para ir com elas para um mundo de encantamento na natureza selvagem:
Venha, Oh criança humana
Para as águas e para a selva
Com uma fada, de mão dada
Pois o mundo está mais cheio de mágoa
Do que você pode entender.
O poema descreve elementos que seduzem o universo infantil: ilha arborizada, águas correntes, bolhas de espuma, trutas dorminhocas, garças agitadas, castores sonolentos e cerejas vermelhas. As fadas podem manter a inocência de uma criança que ainda não percebe que o mundo está cheio de problemas e, por isso, a levam para um mundo selvagem e de liberdade, em um sentido de proteção. É justamente essa a ideia cara à artista.
Sabe-se que os contos de fadas podem evocar os paradoxos de bondade e maldade, de alegria e tristeza e de amor e ódio. No imaginário popular se comenta que, quando uma criança desaparece, seja pelo bem ou pelo mal, foram as fadinhas que a levaram. As relações de paradoxo que podem cercar o mundo infantil entre um universo dócil e mau, como nos contos de fadas, afloraram em Brächer no decorrer de sua trajetória. As suas pesquisas contemplaram as situações de desaparecimento de crianças, tanto raptadas pelas próprias mães, quanto às imagens de post-mortem infantil, como nas Séries Abdução (2004-2018) e Lilith (2007-2008). Essa relação real do desaparecimento infantil com a literatura também despertou o interesse da artista no conto “A Rainha das Neves” (1844), de Hans Christian Anderson (1805-1875), no qual um menino é raptado pela rainha do gelo. Esta transforma o menino Kai em estátua de gelo azul, da qual só consegue se libertar se escrever a palavra Eternidade com cristais de gelo. Tal conto desencadeou um trabalho de Brächer com fotografias de cristais de gelo. Se, por um lado, seus trabalhos evocam duras realidades, por outro, recorrem ao impalpável como o mundo das fadas, aos assombreamentos, às casas abandonadas e a fantasmas de espíritos dos mortos, assuntos muito presentes nas histórias sobrenaturais do século XIX. O seu pensamento plástico lida com paradoxos entre realidades e ficções.
Estabelecer transversalidades entre as artes visuais e a literatura não é um procedimento incomum na arte, como atestam trabalhos realizados, tanto no século XIX, como na contemporaneidade. Neste sentido, pode-se lembrar que a fotógrafa Julia Margaret Cameron (1818-1879) criou encenações a partir de temas literários, como Idylls of the King, escritos por seu amigo e vizinho, o poeta Lord Tennynson; Kiki Smith (1954) fez trabalhos sobre fadas e criaturas fantásticas que referenciam narrativas das histórias de Lewis Carroll e da coletânea de histórias dos Irmãos Grimm.
Para trabalhar com o universo da fabulação, Brächer utiliza a fotografia como sistema operativo. Recorre às imagens de fadas pousadas em flores realizadas pela ilustradora inglesa Cecily Mary Barker (1895-1973) e as recorta, colocando-as sobre plantas de um jardim para, então, fotografá-las. Assim como seus temas são revisitações de assuntos do século XIX, também o processo de revelação das fotografias resgata procedimentos de base química, como eram comuns naquele século. As visualidades resultantes nas fotografias monocromáticas jogam, por vezes, com a nitidez de fadas de aparências humanas, de contornos lineares, iluminadas e transparentes, e por outras, com esmaecimentos e opacidades compositivas. Alguns dos trabalhos mostram características de aparências pictóricas por deixarem evidentes traços de pinceladas que marcam o contorno das fotografias, podendo se constituir como neopictorialismos, “vontade de auratizar” e de rarefação, como apontariam os pesquisadores Dominique Baqué e André Rouillé. A presente exposição se configura em trabalhos materializados em fotografias, objetos, vídeos, instalação e textos.
Como pensar o imaginário plástico de Brächer à luz da fotografia e da literatura?
“Ao fotografar minhas fadas e fantasmas, e sua conexão com o mundo espiritual (ou sobrenatural), sempre esteve implícito um questionamento do meio fotográfico e as fronteiras entre o real e o imaginário, entre a realidade e a ficção”, (Tese de Doutorado, UFRGS, 2009), declara a artista. Um meio mecânico, que nasceu com o estigma ligado ao real é utilizado para criar suas ficções. Aproximar a crença na fotografia como uma verdade da crença na existência das fadas pode ter um componente irônico da fotografia, registrando a presença das fadas em um jardim para trabalhar com o imaginário da literatura. É muito instigante pensar no paradoxo de juntar a fotografia, como uma pseudoverdade do real com o mundo das fabulações de forma a relatar a existência das fadas. Se a fotografia, com sua capacidade técnica, fomentou o imaginário de conhecer lugares e pessoas distantes, por que não poderia nos levar a conhecer esses seres de aparências diminutas do universo das ficções?
Esse foi mais um dos motivos que levou a artista a trabalhar com fadas, quando conheceu a história de duas meninas inglesas Frances Griffiths (1908-1986) e Elsie Wright (1901-1988), que haviam fotografado fadas em um jardim em duas séries, em 1917 e outra em 1920. Por muito tempo, as meninas sustentaram essa história e suas imagens foram tidas como verdadeiras por investigações técnicas que não detectaram vestígios de que fossem falsas. Essa falsa crença em sua veracidade perdurou no imaginário de quem as viu. Somente antes de morrer, uma das meninas declarou, por meio de uma carta e de desenhos, a operação de encenação de montagem das fadas no jardim. Brächer teve contato com esse material no National Science and Media Museum em Bradford, Inglaterra. Tal história motivou uma série anterior de Andréa, A Vinda das Fadas (2006) e que se desdobra na presente exposição.
Assim, ao utilizar-se de ilustrações de Barker, revisitar as fabulações, transcrever palavras do poema de Yates, Andrea pratica o que Anthony Wall e Marie-France Chambat-Houillon (2004, p.76) definem como citação: “a necessidade de que a obra citada seja conservada na representação citante e de que, na retomada de uma obra, o idêntico seja um elemento fundamental do gesto da citação”.
Neste sentido, a operacionalidade em relação ao resgate de elementos do passado das fabulações e de procedimentos técnicos de base química para as fotografias, pode ser alinhado ao que alguns pesquisadores identificam como características da fotografia contemporânea. Dominique Baqué (1998, p. 178) vê, como características do contemporâneo, a reapropriação de estilos e técnicas antigas, os modelos que se travestem em citação, a presença da mise en scène, o gosto pelas misturas, a reciclagem do passado. Linda Hutcheon (1991, pp. 52-71) considera a importância das relações entre “o passado e o presente, entre a cultura do presente e a história do passado”. Ao trabalhar com fotografia e literatura, Andréa pratica um viés de mixagem e pode-se, ainda, recuperar o conceito de obras transgenéricas proposto por Laura Flores.
Ao referenciar o passado em um trabalho contemporâneo e utilizar-se de fotografia e literatura, a produção fotográfica de Andréa Brächer instiga a criar cumplicidades e fazer circular conhecimentos, de modo a produzir interações e ressignificações de seus interesses autobiográficos pelo universo infantil e da cultura.
Niura Legramante Ribeiro
Curadora da exposição
Andréa Brächer (Porto Alegre/1969). Docente no Instituto de Artes/UFRGS. Artista e pesquisadora de Processos Fotográficos Históricos e Alternativos desde 2003. PhD em Poéticas Visuais (PPGAV-IA/UFRGS, 2009). Selecionada para o Prêmio Porto Seguro de Fotografia (Pesquisas Contemporâneas, 2004). Participou de exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, destacam-se: 2008 Lilith. Individual. Galeria Iberê Camargo, Centro Cultural da Usina do Gasômetro (Porto Alegre). Seleção por edital; 2004 Prêmio Porto Seguro 2004. Galeria Porto Seguro (São Paulo), exposição coletiva selecionada por edital; 2012 Illusion and Chemistry: the alternative process. The Kiernan Gallery (Lexington/ EUA). Seleção por edital; 2014 A Fotografia e suas Reverberações com a Pintura, a Gravura e o Desenho. Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes da UFRGS (Porto Alegre). Seleção por curadoria; 2018 Placentária. Coletiva MACRS (Porto Alegre). Seleção por curadoria; 2018 Memória. Coletiva MACRS (Porto Alegre). Seleção por curadoria.
SERVIÇO
Exposição: Ficções de um jardim: fotografia e literatura
Artista: Andréa Brächer
Curadoria: Niura Legramante Ribeiro
Abertura: 23 de maio de 2019, às 19h
Visitação: De 24 de maio a 21 de julho de 2019 (prorrogada para 04.08), das 10h às 19h – de terças a domingos
Local: Salas Negras do MARGS (Praça da Alfândega, s/n° – Centro)
Patrocínio
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Produção
Babilônica Arte
Apoio
Instituto de Artes/UFRGS
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Agência de Leilões
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Realização
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