Exposição celebra os 45 anos de produção da artista, concentrando-se na sua
produção mais recente — desenhos, assemblages e vídeos produzidos
entre 2015 e 2019 —, além de contemplar objetos e trabalhos anteriores
O Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) recebe a exposição Exposição “Mariza Carpes – Digo de onde venho”, de Mariza Carpes (Santa Maria, RS, 1948), que traz a público a poética da artista visual gaúcha, concentrando-se na sua produção mais recente – desenhos, assemblages e vídeos produzidos entre 2015 e 2019 –, além de exibir objetos e guardados afetivos, bem como alguns trabalhos anteriores.
Ocupando a galeria João Fahrion e as salas Angelo Guido e Pedro Weingärtner com a reunião de cerca de 60 obras, a mostra individual “Mariza Carpes – Digo de onde venho” tem curadoria da historiadora da arte, crítica de arte e professora do Instituto de Artes da UFRGS, Paula Ramos.
Inaugurada em 17.12.2019 e interrompida em 18.03.2020 em razão do fechamento do Museu em enfrentamento à pandemia do Covid-19, a mostra retorna com a reabertura em 22.10.2020, juntamente a 3 exposições temporárias e novidades na mostra de longa duração do Acervo Artístico do Museu.
As exposições seguem em exibição até 01.12.2020. Com o encerramento simultâneo de todas as exposições e suas desmontagens, o MARGS fecha à visitação do público a fim de estar em condições de receber a reforma de melhorias, que envolve a substituição do sistema de climatização e o restauro arquitetônico da parte superior do prédio do Museu. A previsão é que esta parte da obra do sistema de climatização seja concluída até março de 2021, permitindo a partir daí a reabertura do Museu para visitação pública com o gradual e parcial retorno das exposições. Já a reforma arquitetônica — que envolve o terraço, a claraboia e os quatro torreões do prédio — prosseguirá nos meses seguintes, com conclusão prevista para setembro de 2021.
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Texto curatorial
Tal como personagem, a figura da menina se repete: ereta, desponta com vestido abaixo dos joelhos, braços em repouso, pés unidos, cabelos comportados, expressões facial e corporal serenas. Tudo respira controle e delicadeza. Sua frontalidade perturba, mas ela insiste em manter os olhos fechados, em silêncio e reflexão. Em que estaria pensando? A pergunta parece tola, mas a natureza da figuração e a recorrência da imagem nos autorizam a divagar. Então, conscientes de que, deste modo, acessamos melhor nossos sonhos e lembranças, podemos imaginar que a menina rememora, fantasia ou planeja sua própria história. Num contraponto à imobilidade do corpo, passível de descrição, temos a fluidez e a liberdade do pensamento.
A menina atravessa a produção recente de Mariza Carpes. Ela surge solitária e introspectiva em meio a ramagens, plantas, águas ou suspensa no espaço; em roupas, objetos, fitas, bonecas; em imagens e fragmentos, produzidos, apropriados ou retrabalhados. A menina diante de seus caminhos, fantasmas, quereres. A menina e sua mãe. Mariza e sua mãe.
Durante anos a menina Mariza ouviu o tique-taque do relógio do balcão, bem como o pedalar incansável de Ivone Fontoura Carpes alimentando o motor da máquina de costura “Singer”. Na cidade de Santa Maria, onde a família vivia, a mãe gozava de amplo reconhecimento. Seus plissados, bordados e acabamentos para vestidos de festa eram famosos, e muitas foram as debutantes e noivas que ela vestiu. Como os irmãos, Mariza cresceu observando panos, linhas, rendas, botões, aviamentos, tesouras, moldes para roupas e o elegante manequim produzido no Rio de Janeiro, em 1955, a partir das medidas dela, Ivone. Quando esta parou de trabalhar, aquela começou a guardar.
Iberê Camargo, mestre e grande amigo da artista, escreveu que “a memória é a gaveta dos guardados” e que “as coisas estão enterradas no fundo do rio da vida. Na maturidade, no ocaso, elas se desprendem e sobem à tona, como bolhas de ar”. Sem surpresa, Mariza percebeu-se desenhando com linha e máquina de costura, sobrepondo e amalgamando pacientemente camadas de tecidos, papéis, palavras, temporalidades. Viu-se, igualmente, recolhendo flores secas, metais enferrujados, fotografias e impressos desbotados: matérias maculadas pelos anos, que passou a encapsular e a emoldurar, tal como relíquias.
Os artefatos antigos, familiares ou estrangeiros, preservados ou encontrados, conservam, cada qual, seus estilhaços de memória, nem sempre aprazível. Aspecto similar vale para os materiais novos, do papel vegetal, com sua transparência de incômoda opacidade, ao chumbo derretido, com sua plástica maleável e toxidade. Na mesa repleta por cacos de vidro, por exemplo, estão vestígios dos copos de cristal oriundos do enxoval da artista, quebrados por um pássaro libertário; eles são o início de uma coleção que se estende há mais de 20 anos. Há leveza, mas também peso, reais e metafóricos. Há carinho, mas também purgação. “Como se vê, a criação se faz com o agora e com o tempo que recua” – Iberê, ele de novo.
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Digo de onde venho: o pessoal, o particular já na primeira palavra; o “eu” no início e no fim da sentença: digo / venho. Afirmação e movimento, com a segurança conquistada ao longo de décadas de continuada e sólida trajetória. O título da exposição assevera, portanto, a consciência e a maturidade da artista e aponta um eixo fundamental de sua pesquisa plástica: o mergulho em sua história pessoal e afetos. Ao mesmo tempo, o feminino, representado pela figura da mãe, da menina e dela mesma.
Sobre a exposição
Digo de onde venho: o pessoal, o particular já na primeira palavra; o “eu” no início e no fim da sentença: digo / venho. Afirmação e movimento, com a segurança conquistada ao longo de décadas de continuada e sólida trajetória. O título da exposição assevera, portanto, a consciência e a maturidade da artista e aponta um eixo fundamental de sua pesquisa plástica: o mergulho em sua própria história, nas lembranças e nos materiais que constituem seus afetos, recolhidos e decantados ao longo de anos, alguns ao longo de décadas. Ao mesmo tempo, o feminino, representado pela figura da mãe, dos netos e dela mesma.
Memória. Assim como seu mestre e grande amigo Iberê Camargo (1914–1994) tantas vezes sublinhou em seus escritos, “a memória é a gaveta dos guardados”. É a partir dela que Mariza alinhava os fragmentos, os objetos, as texturas e as formas, construindo figuras, paisagens, narrativas visuais, metáforas, pontes para compartilhar suas vivências que também nos tocam, que também nos falam.
As cerca de 60 obras a serem apresentadas são provenientes, majoritariamente, da coleção da própria artista, além de acervos públicos, a exemplo do MARGS, do MAC RS, do Museu de Arte de Santa Maria e da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo da UFRGS.
Palavra do diretor-curador
O MARGS tem investido em uma política de exposições que procura estar a par de discussões e problemáticas prementes a serem enfrentadas pelas instituições museológicas e artísticas, sobretudo por aquelas que se orientam pela busca de relevância e atualidade. Nesse compromisso, está a reivindicação histórica e reparatória por uma maior visibilidade, representatividade e legitimação das artistas mulheres. Trata-se de um empenho que ganhou evidência no MARGS neste primeiro ano da atual gestão, resultando em um conjunto de exposições monográficas de artistas mulheres apresentadas em 2019.
“Mariza Carpes – Digo de onde venho”, que o MARGS tem a honra de receber e apresentar, integra esse ciclo, reforçando agora o compromisso crítico que assumimos. Ao trazer a público um amplo conjunto de obras, a mostra não apenas consagra a produção da artista e professora, como confere maior visibilidade e legibilidade à sua consolidada trajetória.
O momento oferecido pela exposição se intensifica por apresentarmos ao mesmo tempo, nas demais salas do mesmo andar do museu, uma coletiva dedicada às artistas mulheres presentes no acervo do museu. Organizada em torno de questões de presença e representatividade, a mostra tem curadoria do projeto Mulheres nos Acervos, cujas autoras se dedicam a investigar a produção artística feminina nas coleções públicas de arte de Porto Alegre.
A simultaneidade dos dois projetos expositivos foi concebida propositadamente, com a intenção de criar um contexto preliminar para a chegada da 12ª Bienal do Mercosul, que a seguir, entre abril e julho de 2020, ocuparia todo o museu com uma edição voltada às relações entre arte e feminismo, não fosse o cancelamento presencial do evento em função da pandemia.
Assim, em sintonia e afinidade com a temática da 12ª Bienal, que se concentrou nas plataformas digitais, procuramos oferecer um ambiente preparatório para momento em que o MARGS prosseguirá sendo palco de debates e experiências sobre a produção de artistas mulheres.
Francisco Dalcol
Diretor-curador do MARGS
Doutor em Teoria, Crítica e História da Arte
Sobre a artista
Nascida em Santa Maria, em 1948, Mariza Carpes fez sua formação na UFSM, Universidade Federal de Santa Maria, diplomando-se em 1973, em Desenho e Plástica. Na mesma instituição foi, durante anos (1975–1987), professora das disciplinas de “Interiores e Paisagismo”. Dedicando-se ao Desenho, conquistou diversos prêmios regionais, nacionais e internacionais, em salões organizados ao longo dos anos 1970 e 1990. No final da década de 1980, transferindo-se para Porto Alegre, passou a trabalhar no Instituto de Artes da UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1987–1997), dedicando-se integralmente ao Desenho e ajudando a formar, pelo menos, uma geração de artistas; também dirigiu, na instituição, a Galeria da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo. Em 1995, concluiu o Mestrado em Artes pela Ball State University, em Muncie, Indiana, Estados Unidos.
A memória, os afetos e a própria história da artista são terreno constante de sua obra, assinalada pelo investimento no desenho, em trânsito com a pintura, assim como pela apropriação de fotografias, desenhos, impressos, objetos e fragmentos antigos, plenos de histórias e tempos.
A obra de Mariza Carpes está representada em várias instituições e coleções públicas, com destaque para: Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) (Porto Alegre, RS), Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC RS) (Porto Alegre, RS), Museu de Arte de Santa Maria (MASM) (Santa Maria, RS), Museu de Arte do Paraná (Curitiba, PR), Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura Municipal (Porto Alegre, RS), Pinacoteca Barão de Santo Angelo do Instituto de Artes da UFRGS (Porto Alegre, RS), entre outras.
Sobre a curadora
Paula Ramos (Caxias do Sul, RS, 1974) é historiadora da arte, crítica de arte e curadora. Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo (1996) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com Mestrado (2002) e Doutorado (2007) em Artes Visuais, ênfase em História, Teoria e Crítica de Arte, pela mesma IFES, ambos subsidiados com bolsa CNPq. Em 2005, realizou doutorado-sanduíche junto à Kassel Universität, na Alemanha, com bolsa CNPq/DAAD. No mesmo país, realiza seu Estágio Sênior (2018–2019; 2020–2021) na Hochschule Hannover, com bolsa da Fundação Alexander von Humboldt.
É Professora Associada do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS, onde implantou o Bacharelado em História da Arte, coordenando-o nos seus cinco primeiros anos (2010–2015). Atua nos cursos de História da Arte e Artes Visuais, bem como no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV/UFRGS).
Assina diversas curadorias em arte moderna e contemporânea, muitas das quais agraciadas com prêmios. É autora e organizadora de várias publicações no segmento de cultura e artes visuais, com destaque para A madrugada da modernidade (1926) (Porto Alegre: UniRitter, 2006), A fotografia de Luiz Carlos Felizardo (Porto Alegre: Brasil Imagem, 2011), Walmor Corrêa – O estranho assimilado (Porto Alegre: Dux; São Paulo: Livre, 2015) e Lenir de Miranda – Pintura périplo (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2019). Também integrou a Comissão Editorial que organizou a publicação Pinacoteca Barão de Santo Ângelo – Catálogo Geral (1910–2014), nas comemorações dos 80 anos da UFRGS (Porto Alegre: UFRGS, 2015), um trabalho de ensino, pesquisa e extensão, que envolveu dezenas de estudantes e professores do Bacharelado em História da Arte da UFRGS. Em 2016, publicou A modernidade impressa – Artistas ilustradores da Livraria do Globo – Porto Alegre (Porto Alegre: UFRGS, 2016), reunindo as pesquisas desenvolvidas no âmbito do Mestrado e do Doutorado. Contemplado pelo edital Petrobras Cultural – Memória das Artes 2012, o livro foi lançado com exposição homônima, realizada no MARGS. Como um todo, o projeto A modernidade impressa recebeu oito prêmios em âmbito regional e nacional, com destaque para o Prêmio Açorianos de Literatura 2016 – Livro do Ano, o Prêmio ABEU 2017 – Ciências Sociais e da Expressão, e o Prêmio Jabuti 2017, 1º lugar na categoria Arquitetura, Urbanismo, Artes e Fotografia.
SERVIÇO
Exposição
Exposição “Mariza Carpes – Digo de onde venho ”
Artista: Mariza Carpes
Curadoria:Paula Ramos
Visitação: inaugurada em 17.12.2019 e interrompida em 18.03.2020 em razão do fechamento do Museu em enfrentamento à pandemia do Covid-19, a mostra retorna com a reabertura em 22.10.2020, juntamente a 3 exposições temporárias e novidades na mostra de longa duração do Acervo Artístico do Museu, encerrando em 01.12.2020.
Local: Galeria João Fahrion, e salas Angelo Guido e Pedro Weingärtner
Entrada gratuita
MUSEU DE ARTE DO RIO GRANDE DO SUL – MARGS
Patrocínio
Banrisul Vero
BRDE
Sulgás
Apoio
Café do MARGS
Banca do livro
Bistrô do MARGS
Arteplantas
Celulose Riograndense
Tintas Killing
iSend
Realização
Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Secretaria de Estado da Cultura do RS
MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul
AAMARGS – Associação dos Amigos do Museu de Arte do Rio Grande do Sul
MARGS
Praça da Alfândega, s/n°
Centro Histórico, Porto Alegre, RS
90010-150
Visitação de terça a domingo, 10h às 19h, entrada gratuita
Telefone: (51) 3227-2311
Site: www.margs.rs.gov.br
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Instagram: www.instagram.com/museumargs